UN LOBITO BUENO

 

 

 

      “O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta-feira (21) um projeto que anula a sessão realizada pela Casa no dia 2 de abril de 1964, que declarou vaga a Presidência da República exercida na época pelo presidente João Goulart, o Jango (1919-1976), viabilizando o reconhecimento do novo governo militar (1964-1985).(…) A ideia, de acordo com os parlamentares, seria retirar qualquer ‘ar de legalidade’ do golpe militar de 1964.” – www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1374374-apos-49-anos-congresso-anula-sessao-que-afastou-jango-da-presidencia.shtml

 

 

      Há alguns anos, acompanhado por acordes de seu violão, para deleite dos guerrilheiros (hoje “ex”) do mundo inteiro, Paco Ibañez cantava esses versos abaixo, de José Agustín Goytisolo (Barcelona 1928-1999), que bem poderiam ser considerados proféticos:“Érase una vez / un lobito bueno / al que maltrataban / todos los corderos. / Y había también / un príncipe malo, / una bruja hermosa / y un pirata honrado. / Todas estas cosas / había una vez, / cuando yo soñaba / un mundo al revés”.

 

      Sonhar é livre sonhar. Fosse lá o que fosse, significasse o que significasse, quem sonhou com “un lobito bueno” deveria ter suas razões para sonhar com isso.

 

      Mas, como o mundo gira e a Lusitana roda, o alvo se pôs fora de foco e fomos nós, aqui, os que ganhamos todas essas coisas. Com as quais nunca sonhamos, mesmo porque o sonho é um privilégio dos iluminados, isso lá é verdade. Ganhamos, todos nós, essas coisas todas, de repente, não como sonho. Nem mesmo como pesadelo. Ganhamos como realidade. E, se já éramos confusos, mais confusos ainda ficamos em um mundo inteiramente ao revés. Um mundo em que a História que se fez, que muitos crêem que deva e possa ser corrigida por inteiro porque a consideram, por inteiro, errada, poderá ser esquecida como se não tivesse sido feita. Não é que ela deva ser substituída por uma outra História – é que a História é nula, é nenhuma.

 

      Por isso mesmo, pouco importa que aqueles versos estejam aqui em Castelhano e não em Português. Faz de conta que, como sugere um canal de televisão também iluminado que anuncia programas em Castelhano sobre o “nosso povo” para que ele possa aprender a ser, nós todos falamos outra língua, não a nossa. E daí? Isso tanto faz como tanto fez. Tal como tanto fez como tanto faz tudo o que já se fez ou se deixou de fazer. Basta-nos fazer de conta que foi feito ou não foi feito. E poderemos saber que era uma vez um príncipe santo que foi martirizado por uns gorilas; e havia também um Congresso tímido, umas bruxas boas e uns pelegos honrados. Todas essas coisas, se não houve uma vez, passaram a haver neste mundo ao revés.

 

      Só o que ainda nos parecia faltar era uma máquina como esta: http://www.youtube.com/watch?v=OHyygU1cU0k – que é bem mais que uma máquina do tempo. Ao vê-la funcionando, temi, sinceramente, que dela pudessem ser cuspidos alguns intelectuais… alguns guerrilheiros… alguns políticos iluminados… mais alguns…  ainda mais alguns… os bem mortos e enterrados inclusive, alguns mais. Mas pensei melhor e percebi que esse meu temor era inútil, porque já chegava muito tarde… Pensando bem, talvez já não nos falte sequer essa máquina, e ela esteja em pleno funcionamento. Certas coisas malucas, tais como presos, porque condenados pela Justiça, receberem salário do Congresso Nacional, entre outras coisas tão ou mais malucas que andam acontecendo por aqui, só mesmo essa máquina maluca, em um mundo maluco, todo ao revés, poderia explicar.

 

      Aguardem – porque nada mais será como antes: a próxima proposta a ser apresentada pelos Senadores, que nosso Congresso revolucionário aprovará e celebrará, é a de que seja declarada nula a nossa República retirando-lhe qualquer ‘ar de legalidade’, o que se justificará porque sua proclamação, em tarde amena, não passou de um golpe de Estado dado pelas elites fardadas, quando o povo trabalhador politizado estava ausente das praças públicas.

 

      Estão certos os Congressistas. Por certo que estão. Se não fizemos História é porque não existimos. Se não existimos, esses Congressistas não nos representam, representam-se, não mais, a eles mesmos e às histórias e à Política deles mesmos. Mas fazemos de conta que nos representam. E, entre todas essas coisas, nosso território, que não será nosso – será de ninguém, ou será deles, dos Congressistas, do Governo, de quem primeiro nos disser “chegue pra lá” –, poderá, em bons pedaços, ir a leilão.

 

      Vai dar para acomodar com conforto um bocado de gente. Toda essa gente ficará muito contente. E ninguém haverá para reclamar.

 

   

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21/11/2013 – 00h39

Após 49 anos, Congresso anula sessão que afastou Jango da Presidência

MÁRCIO FALCÃO – DE BRASÍLIA

O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta-feira (21) um projeto que anula a sessão realizada pela Casa no dia 2 de abril de 1964, que declarou vaga a Presidência da República exercida na época pelo presidente João Goulart, o Jango (1919-1976), viabilizando o reconhecimento do novo governo militar (1964-1985).

 

Deputados e senadores vão fazer uma cerimônia para proclamar a nulidade da sessão. A proposta foi apresentada pelos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AL).

 

A sessão do Congresso de 1964 foi realizada de madrugada e, por decisão do então presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, a vacância foi declarada. No pedido, os dois senadores afirmam que a anulação faz um “resgate histórico” porque a vacância permitiu o golpe militar de 1964, embora Jango estivesse em Porto Alegre (RS) em solo brasileiro. A ideia, de acordo com os parlamentares, seria retirar qualquer “ar de legalidade” do golpe militar de 1964.

 

“Fica claro que o ato do Presidente do Congresso Nacional, além de sabidamente inconstitucional, serviu para dar ao golpe ares de legitimidade”, afirmam os senadores na justificativa do projeto. Simon e Randolfe afirmaram que, depois de 49 anos da sessão, o Congresso “repudia de forma veemente a importante contribuição ao golpe dada pelo então presidente do Legislativo”.

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que o Congresso estava reparando essa mancha na história do Brasil. “É uma desculpa histórica”.

 

Em discurso, Simon disse que a proposta não pretende reescrever os fatos. “Não vamos reconstituir os fatos. A história apenas vai dizer que, naquele dia, o presidente do Congresso usurpou a vontade popular de maneira estúpida e ridícula, depondo o presidente da República”, disse.

 

Um dos principais defensores da ditadura militar, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi voz praticamente isolada contra a medida e disse que a proposta era irregular pois estavam querendo “tocar fogo” no Diário do Congresso Nacional. “Querem apagar um fato histórico de modo infantil. Isso é mais do que stalinismo, quando se apagavam fotografias, querem apagar o Diário do Congresso”.

 

A votação foi acompanhada por João Vicente Goulart, filho do ex-presidente. O texto foi aprovado aos gritos de “Viva o Brasil”, “Viva democracia” e “Viva Jango”.

 

Com o objetivo de verificar as causas da morte de Jango, o corpo do ex-presidente foi exumado, na semana passada, no cemitério da cidade gaúcha de São Borja, na fronteira com a Argentina. A família e o governo suspeitam que Jango teria sido envenenado durante seu exílio na Argentina. Na época, não houve autópsia. De São Borja, os restos mortais foram trazidos a Brasília e recebido com honras de chefe de Estado pela presidente Dilma Rousseff.

 

A perícia será feita no DF e amostras serão enviadas para análise em laboratórios no exterior. A intenção é voltar a homenageá-lo novamente em 6 de dezembro, dia em que a morte completará 37 anos e o corpo deverá voltar a São Borja (a 581 km de Porto Alegre), na fronteira com a Argentina.  

  

 

 

 

  

  

 

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