Dizem os que disso entendem que a Justiça de Deus é justa. E é absoluta.
Não se exige tanto da Justiça dos Homens.
Os Juízes têm a Lei e os Códigos que devem amparar suas decisões. Mas, como são humanos, também têm paixões, o que abalará suas convicções, mesmo as mais racionais, produzindo um meio termo a que chamamos de “ponderação”, quando não de “discernimento”. A Justiça dos Homens nos traz, assim, resultados tão justos e tão imparciais quanto possam ser os julgamentos de partidas de futebol realizados por qualquer uma das torcidas. Apenas exige-se que o vocabulário que os justifica seja menos chulo. Os ritos e as regras são, todos eles, muito bem conhecidos, e todos sabem que devem ser cumpridos estritamente. Mas o coração os interpretará, com suas razões que a própria Razão desconhece – o que não deixa de ser considerado muito normal ou muito… “justo”.
O acatamento pelo Supremo Tribunal Federal de embargos infringentes que beneficiariam ou beneficiarão alguns dos que já foram julgados e condenados por esse mesmo Tribunal não dependeu da Doutrina nem dos Códigos, cuidadosa e exaustivamente destrinchados pelos Doutos sob todos os aspectos pertinentes ao caso – dependeu apenas da cor da camisa dos times em campo. E “o caso” era o julgamento de um processo, não o de um mérito. Apesar de que o resultado do julgamento desse processo possa ainda vir a interferir no julgamento de um mérito já julgado que pretende ver-se re-julgado.
A dizer a verdade, nada ali se julgou com base na Justiça – tudo se julgou com base nos argumentos que o Direito permite que sejam levados à discussão em um Tribunal. E com base no “discernimento” dos togados. “Discernimento” esse que, como todo e qualquer “discernimento” de todo e qualquer indivíduo de carne e osso, desenvolve-se em terreno arado e adubado pela ideologia, ou seja, pela visão de mundo que cada um possa ter, particularmente, desenvolvido.
Isso permitiu que, nesse julgamento, ganhasse tanta importância a discussão sobre a opinião pública, opinião essa que é uma opinião política, não um parecer jurídico.
Assistimos, assim, a um julgamento político, no sentido mais rasteiro que a palavra possa abrigar, sob as condições mais rasteiras que aquilo que chamamos de Política nacional nos permite desfrutar. E, assim também, o resultado desse julgamento pôde resumir-se àquele que era esperado pelos craques mais idolatrados, em campo e fora dele, que têm o maior número de técnicos, massagistas e torcedores na arquibancada. Inclusive assim foi feito o gol que desempatou a partida.
Desempatada a partida, nada se alterou. O campeonato da temporada continua sendo o mesmo, desenvolvendo-se sob as mesmas regras e ritos admitidos política e juridicamente.
Independentemente de qualquer fato que mereça ser levado aos Tribunais, em qualquer lugar decente do Universo, os homens públicos, quando apontados como responsáveis ou corresponsáveis por qualquer venalidade, sejam culpados ou sejam inocentes, tomam a iniciativa de afastar-se dos cargos que ocupam. Não só para evitar que o caráter do cargo seja emasculado como para evitar que um eventual julgamento seja influenciado pela representatividade do cargo e pelas paixões de torcedores partidários.
O Brasil é um grande País, em que cada indivíduo cuida de si mesmo, de suas coisas particulares e de seus amigos, e em que cada uma das Instituições supostamente representativas da vontade de todos se julga Soberana, inclusive as Confederações esportivas. O Brasil é também o País do futebol. E, sendo do futebol este País, e sendo o futebol o esporte das multidões, eu prefiro me manter de olho na bola – mas outros esportes quaisquer poderão também ser chamados a bem explicá-lo. Talvez por isso o País seja tão divertido, embora não se demonstre minimamente como sendo um lugar decente.
Portanto, aqui é finda esta nossa reportagem. Nada a acrescentar, nada mais a comentar. Nem a conjecturar.
Resta apenas ler, mantendo ao lado um copo d’água com sal de frutas, o que a Imprensa, em seu “discernimento”, publica; e deliciar-se com o que minha amiga Eliane Rio Branco, com muita arte, inspiração e muito fina e bem comportada ironia, soube colocar em palavras:
“Senhor Representante do Supremo Tribunal
Meritíssimo Sr. Dr. Juiz Celso de Mello
Tomo a liberdade de me dirigir a esse douto decano e representante legal que ocupa uma cátedra do mais alto escalão do Sistema Judiciário de nossa pátria, tendo como intuito tecer comentos leigos sobre seu soberano voto de Minerva proferido acerca do vulgarmente denominado processo do “Mensalão”, voto esse que foi alcatifado e, reitero, segundo meu leigo ideário se pautou em citações de jurisprudências que percorreram o mundo, numa viagem jurídica ilustrativa e confesso que afanosa.
Não obstante, conforme V. Exa. proferiu, não é possível pautar decisões jurídicas acolhendo-se clamores públicos, e o que aqui aporto é justamente um clamor pessoal.
Surge que advém em minha mente uma concepção, quiçá doidivana e temerária, de que existe um roteiro para isso e que, no que seria um jogo de xadrez, as peças são movidas a bel prazer das obscuras volições políticas, que não ferem a lei, mas armam um tabuleiro onde as peças já possuem um arrasto pré-ordenado por alguma entidade maior.
Será isso um desvario de minha parte?
Isso eu avaliarei através do número de acessos que terei em minha rede social, daqueles que compartilham desse juízo.
Procurei também me tornar inteligível a todos que ocupam cátedras de polpa usando do vernáculo que vai além da norma culta e seguindo seu douto exemplo.
Sem mais, como um peão humilde que labuta diariamente, peço vênia para estampar minha simplória apreciação.
Eliane Rio Branco”
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