04-01-2013 – “Esta manhã, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Loures, foi anunciada a “Palavra do Ano” 2012 eleita pelos portugueses: ‘entroikado’. (…) O vocábulo ‘entroikado’ é, também, um excelente exemplo da produtividade da língua portuguesa: juntando um elemento à esquerda e outro à direita da palavra ‘troika’ nasce um novo vocábulo. A equipa de linguistas do Departamento de Dicionários da Porto Editora, responsável pela seleção das palavras candidatas, continuará a acompanhar de perto a vida evolutiva desta nova palavra no quotidiano dos portugueses.”
Taí! Até que o verbo novo, que corresponde a uma ação (relativamente) nova à qual hoje se sujeitam os portugueses, foi muito bem concebido!
Mas só foi concebido porque algo especificamente muito português, bem maior que a língua portuguesa que muito o ampara, permitiu. Ou exigiu. Porque algo que existe neste mundo, quer queiram quer não queiram as “autoridades” que continue existindo – a cultura nacional – viu-se incomodada. Ela, a cultura, que dá sentido a nossas palavras, talvez a nossas próprias vidas – mesmo à daqueles que consideram que a nós (nós quem?) pertenceria apenas a nossa linguagem oral (que dispensa ponto, vírgula, ponto-e-vírgula e demais sinais gráficos…) ou cuja religião exige que sejam reconhecidas apenas “línguas em português”, não uma língua portuguesa, tal como pregava São José Saramago, um dos padroeiros do iberismo português.
Por outro lado… “entroikado” ser celebrado pelos lingüistas como “excelente exemplo da produtividade da língua portuguesa”… carambolas!!! Devemos calcular agora a “produtividade da língua” com instrumental semelhante àquele que nos permite calcular a produtividade das indústrias maquiadoras? Em percentuais comparativos, também?
Fico eu cá pensando com meus botões: essa equipe de lingüistas portugueses, para fugir do ócio e do tédio, e/ou para demonstrar “produtividade”, em vez de inventar “acompanhar de perto a vida evolutiva” de uma gíria – que só faz sentido “no cotidiano dos portugueses” se considerarmos a péssima administração dos recursos reais e potenciais à qual o país se sujeita – e correr a inscrevê-la como “neologismo” em um dicionário (*), não deveria mais, fosse de fato séria, estar procurando fazer algo que fosse de fato útil a preservar o vernáculo? Ou lingüistas serão para quê?
Que tal, por exemplo, recomendar aos meios de comunicação que se substitua o K da palavra “troika” por um C definitivo, acompanhando a forma como os populares de fato a escrevem, antes que meta-se esse K goela abaixo de todos nós que nada temos a ver com o pato? Ou tratar de saber onde foi que se escondeu o nosso trema depois do chute que alguém certo dia lhe deu e, assim, tentar recuperar a dignidade da profissão a começar por sua grafia mais correta, evitando dar margem a dúvidas na pronúncia?
Por que assim os nossos lingüistas não agem? Porque são corajosos e gostam de brincar com coisa séria? Porque são covardes e temem ser entchekados pelos politikamente korretos?
Enroscadas em troicas, tchecas e meia dúzia de ensebados inconseqüentes reconhecidos (por quem?) como “autoridades”, nossa língua e nossa cultura portuguesas vêem-se cada vez mais e mais imprensadas por elementos muito estranhos – inclusive com a colaboração da CPLP, instituição que continua sem saber exatamente a que veio além de a servir como cabide de empregos – até que terminem trituradas em caquinhos que serão expostos como um bizarro mosaico em uma sala escura de um museu qualquer. Assim ninguém sentirá muita falta delas e todos poderão visitá-las quando bem entendam e possam fazê-lo, incrementando o turismo histórico e “étnico”.
Já quanto a nós… Nós? Quem?
Fico eu cá pensando ainda (isso é um vício!): a “vida evolutiva” dos particípios passados enroscado, ensebado e imprensado (juntando um elemento à esquerda e outro à direita das palavras prensa, sebo e rosca, nasceram novos vocábulos…) alguma vez mereceu a atenção e foi acompanhada em nosso cotidiano por algum lingüista? Se tivessem merecido a atenção dos intelectuais especializados em nossos “jeitos de dizer”, o sentido dessas palavras teria evoluído mais ou evoluído menos? Para melhor ou para pior? Ou tanto faz como tanto fez?
Que a Política se faça presente a responder. Aliás, por onde ela tem andado?
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