“Em termos gerais, é imperativo desmontar a ‘herança maldita’ … Reverter o clima de desmoralização que tomou conta do país … a aceitação passiva da incompetência e da falta de responsabilidade, a condução ideológica e amadorística da política … e a tibieza no combate à corrupção … seguidas mostras de obtusidade, no melhor estilo terceiro-mundista … uma opção preferencial por regimes populistas e ditaduras” (1)
Tudo bem. Muito bonito, isso. Herança por herança, Rousseff, por evidente, e todos os demais noves fora, ninguém mais herdeiro daquilo que de pior existe no PT que a sonhática Marina Silva, que “chorou ao ser questionada … sobre as críticas que recebeu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi aliada por 24 anos”, com quem muito aprendeu, inclusive “que a esperança iria vencer o medo”, o que vem repetindo em sua campanha, e contra quem nada quer fazer, conforme ela própria pôde afirmar (2).
Portanto, nestas eleições, se é que pretendemos imprimir alguma mínima aura de sanidade ao nosso voto, o que nos sobrará como também mínima expectativa de “desmontar a herança maldita” do PT é Aécio Neves, e ninguém mais. Desde que nos empenhemos, todos, nisso. Marina é herdeira direta do caráter messiânico-demagógico petista, por mais que entre em conflito por bagatelas com os demais herdeiros.
Mas… por falar em heranças… haveria, por acaso, “mostras de obtusidade, no melhor estilo terceiro-mundista” mais evidentes que o parágrafo único do artigo 4º da Constituição de 1988, que nos obriga a “buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” e a, por decorrência, praticar “uma opção preferencial por regimes populistas e ditaduras”? Haveria, por acaso, “herança” mais “maldita” que essa?
Quem nos legou esta herança? Quem, por nós, em nosso nome, a aceitou? Quem se lembra dela e se dispõe a discutir o ônus que nos acarreta, os resultados que implica? Esta não seria uma “prioridade inescapável”? Que é o que mantém nossos governos visceralmente vinculados aos governos de nossos vizinhos, a seus valores e a seus objetivos? Este não seria um tema de relevante importância, que deveria ser levantado em uma campanha eleitoral, para que opinássemos a respeito dele, uma vez que nos afeta diretamente, todos nós? Por que não aparece? Por que é omitido?
Entra eleição, sai eleição… e quem acusa como obtusos porque obtusos de fato foram – e são – os responsáveis por herdarmos essa construção fantasmagórica monumental carregada de minas prontas a explodir, transposta de um terreno pantanoso em que proliferam insetos transmissores de doenças infectocontagiosas, de cujas paredes pendem correntes que nos atam pelas mãos, pelos pés e pelo pescoço? Quem se opõe aos que nos convenceram de que deveríamos viver sob o teto de uma cabeça-de-porco, escancarássemos as portas e as janelas ao que de mais retrógrado subsiste em volta de nós, abdicássemos do exercício pleno de nossa soberania, colocássemos nossas ambições legítimas na ilegalidade e mantivéssemos o cérebro mergulhado na mais absoluta escuridão?
E quem nos vem sugerindo tentar “desmontar” essa “herança maldita” – a constitucionalidade de uma “fraternidade ideológica” absoluta e absolutamente obtusa, em conformidade com os interesses de quaisquer “personagens” que eventualmente assumam o governo nos vários e diferentes países do continente, que nos condena, portanto, a permanecer como “um país à deriva” por todo o sempre – e atirá-la ao lixo, que é o lugar de onde nunca deveria ter saído?
Excetuando uns três ou quatro muito pouco lidos e quase não ouvidos, francamente, não conheço. Nem na Academia, nem no Congresso, nem na Indústria, nem no Comércio, nem na Bolsa de Valores, nem na Imprensa, nem na feira-livre, nem…
De lero-lero, meus amigos, se nós fôssemos inteligentes, já teríamos percebido que estamos lotados até a tampa. Ao que tudo indica, ainda não percebemos. Falta-nos, então, comer muito e muito feijão nessa história toda. Neste momento, pois, apesar de que seja indigesto, requentemos o que se nos coloca disponível e foi mantido na geladeira nos últimos tempos – por isso, não azedou como o que ferve nas panelas petista e assemelhadas. Para que evitemos morrer à míngua e – quem sabe? -, com um pouco mais de cuidado, possamos pelo menos protelar uma fatal disenteria.
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(1) Três personagens e um país à deriva
A ordem em que os três principais candidatos à Presidência da República têm aparecido nas pesquisas parece-me ser o inverso de suas capacidades e do que deles se pode esperar de positivo para o Brasil.
Dilma Rousseff chegou ao Planalto como atriz num dos muitos enredos maliciosos que Lula é capaz de conceber. Com seus próprios recursos ela dificilmente se elegeria vereadora em Porto Alegre ou em Belo Horizonte. Lula “vendeu-a” como uma exímia conhecedora da máquina pública e a grande gestora de projetos que daria continuidade às “grandes conquistas” de seu próprio governo.
Tendo já cumprido um segundo mandato, Lula não iria se desgastar numa luta interna, muito menos emprestar sua popularidade a um candidato político. Queria um candidato que lhe devotasse uma fidelidade canina, o melhor “poste” que pudesse encontrar.
Na campanha e nos debates, ela quase nada precisaria falar; dos votos encarregar-se-iam Lula e os marqueteiros. Foi assim que o Brasil viveu um dos maiores paradoxos eleitorais de que se tem notícia. Nas democracias, candidatos sabem que suas chances de sucesso dependem de se tornarem conhecidos do maior número possível de eleitores. Com Dilma, deu-se o oposto: seu sucesso deveu-se à quase total clandestinidade em que ela se manteve.
Sob muitos aspectos, Marina Silva é o oposto de Dilma. Não creio que ela se prestasse a uma farsa eleitoral. Suas ideias parecem-me se constituir, parte por elaboração própria, parte por uma saudável utilização dos órgãos auriculares.
Apesar dessas qualidades, tinha certeza que o status de favorita que ela chegou a atingir não se sustentaria. Resultara de uma situação extraordinária que se diluiria. O desaparecimento de Eduardo Campos e a comoção dele decorrente catapultaram-na para a segunda posição.
O súbito aumento do apoio a Marina deveu-se à simpatia com que ela passou a ser vista por eleitores que, de outra forma, não a veriam como opção; à reativação e a uma tentativa de canalização mais positiva do manancial de votos contra Dilma e Serra que ela mobilizara em 2010; e à sensação de que ela passara a encarnar uma concepção idealizada de política com possibilidade real de chegar ao Planalto.
Ao envolvê-la numa aura de vencedora, os elementos mencionados proporcionaram-lhe a indispensável interlocução com grupos sociais que até a morte de Campos a viam como problema. Facilitaram a substituição da acanhada plataforma de 2010 por uma mais ampla e realista, respaldada por economistas competentes.
As últimas pesquisas mostram Aécio Neves na terceira posição. Admitindo que as intenções de voto em Dilma e as de votar em branco ou nulo estão mais ou menos consolidadas, Aécio precisa “tomar” de Marina só mais alguns pontos para ultrapassá-la. Difícil é; impossível, não. Se for ao segundo turno, terá o mesmo tempo de TV que Dilma e será visto como uma alternativa real ao oficialismo petista.
Na segunda (29), os agentes econômicos reagiram à melhora de Dilma nas pesquisas avisando que a reeleição será um desastre. As ações da Petrobras despencaram 10%. Corteses como são, Lula e Dilma deveriam pedir desculpas à analista do Santander cuja demissão exigiram por ter tido a “ousadia” de fazer uma previsão nessa mesma linha.
Se eleito, Aécio Neves terá prioridades inescapáveis. Em termos gerais, é imperativo desmontar a “herança maldita” deixada por Lula e Dilma. Reverter o clima de desmoralização que tomou conta do país desde 2003, a aceitação passiva da incompetência e da falta de responsabilidade, a condução ideológica e amadorística da política econômica e a tibieza no combate à corrupção.
Urge restabelecer o império da lei, a validade dos contratos, o valor das instituições e a independência entre os Poderes. Na política externa, Lula e Dilma deram seguidas mostras de obtusidade, no melhor estilo terceiro-mundista. Mas foram além: praticaram ativamente uma opção preferencial por regimes populistas e ditaduras, sabe Deus se como fruto de alguma convicção ou só no juvenil afã de marcar posições antiamericanas.
BOLÍVAR LAMOUNIER, 71, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, e sócio-diretor da Augurium Consultoria. Seu livro mais recente é “Tribunos, Profetas e Sacerdotes: Intelectuais e Ideologias no Século 20” (Companhia das Letras)
-www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/10/1526290-bolivar-lamounier-tres-personagens-e-um-pais-a-deriva.shtml
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(2) www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1515516-marina-chora-ao-falar-de-lula-e-se-diz-injusticada.shtml
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