“O Senado aprovou nesta terça-feira projeto que reserva 50% das vagas nas universidades federais e escolas técnicas do país para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Além das chamadas ‘cotas sociais’, o projeto também estabelece a divisão das vagas com base nas raças dos estudantes. (…) O tema tramita há 13 anos no Congresso, mas por ser polêmico, só foi aprovado depois que o governo mobilizou aliados em favor da matéria. (…) O projeto aprovado pelos senadores estabelece que o ingresso nas universidades federais por meio de cotas deve ocorrer pela média das notas de cada aluno no ensino médio, sem o tradicional vestibular. (…) ‘Ao colocar todas as instituições no mesmo molde, estamos ferindo a autonomia da universidade.’ (…) ‘A rejeição desse projeto significaria não querer que os negros, índios e pardos tenham acesso à universidade’. (…) a proposta não leva em consideração ‘contextos socioeconômicos distintos’ de cada uma das universidades” – Folha de S.Paulo (*)
Os títulos, quaisquer títulos, não apenas os acadêmicos, que qualquer um possa obter poderão dar mais status social a qualquer um. Isso claro está. Mas nada mais darão.
Ter status é ter poder. Mas nada mais é. Isso também claro está.
E o poder, bem sabemos, poderá facilitar a obtenção de títulos. Mas ter poder, assim como ter status social e títulos a ostentar, não significará necessariamente ter saber a utilizar. Nem o poder, nem o status, nem os títulos emprestam inteligência, capacidade ou valor pessoal a quem quer que seja. Aí estão as condecorações, gratuitamente concedidas às pencas, os Doutorados Honoris Causa, oferecidos aos potes, além das colunas sociais, das manchetes dos jornais e das capas de revistas, dos programas de TV etc. que não me deixam mentir.
Também claro está que todas as portas do poder deveriam estar abertas a todos – a todos aqueles que estivessem empenhados em resolver nossos problemas com competência e com inteligência, que isso seja bem entendido.
O importante, então, para uma Sociedade se tornar sadia e permanecer sadia, deveria ser que, uma vez tendo ela resolvido o problema da qualidade do ensino fundamental (que, em nosso caso, é nenhuma) e o problema da qualidade do ensino médio (que, decorrentemente, em nosso caso, é também nenhuma), as portas das Universidades fossem naturalmente abertas a todos aqueles que se interessassem pelos graves assuntos que ela, e só ela, a Universidade, nenhuma outra instituição, poderia e deveria discutir e acudir.
Se aos índios, aos negros, aos pardos, aos brancos e a todos os demais indivíduos brasileiros, com quaisquer traços étnicos e a pele de quaisquer cor e matiz, estão garantidas as mesmas condições, desde a infância, por meio da universalização de uma boa Escola pública em níveis que deveriam servir de padrão às Escolas particulares; se estão dadas as condições prévias a que, em nossa Sociedade, possamos contar com Universidades de alto gabarito que façam jus a esse pomposo nome; se tudo isso já foi resolvido, e se negros, índios e pardos são de fato preteridos e barrados às portas de nossas Universidades, não por sua demonstrada incompetência resultante de um eventual não-saber, mas por sua origem genética próxima ou remota, nada mais justo que estipular “cotas” para o preenchimento de vagas! Corrigir-se-ia, assim, um grave problema decorrente de um grave e repugnante erro: o racismo. Racismo que, aliás, já era uma contravenção penal desde 1951 (“Lei Afonso Arinos”) e nossa Constituição “cidadã” considerou como crime inafiançável. E poderíamos punir exemplarmente os responsáveis. Se comprovado, por que não?
Se nada, porém, pôde ainda ser resolvido…
Ora, se nada do que se requer para resolver um problema grave de incompetência nacional foi resolvido e, mesmo assim, as portas das Universidades estão sendo abertas a todos e qualquer um por uma determinação legal, deduz-se que os Congressistas brasileiros, voluntaristas regidos por sua própria incompetência, resolveram usar de seu próprio poder para que todos façam de conta que tudo está resolvido. Não por serem absurdamente demagogos e absurdamente pródigos com todos os recursos públicos, inclusive os não apenas materiais, mas por serem apenas carinhosos – a exemplo de “Mãe” Rousseff, que estimulou e a quem cabe sancionar o projeto –, concedem, de mão beijada, a cada brasileirinho semiletrado oportunidade a que exiba um título de Bacharel, dando-lhe também oportunidade a que obtenha status mais elevado e maior poder. E, assim, não só: nossos Congressistas dão também oportunidade a que pelo menos um em cada dez brasileirinhos semiletrados de posse de seu bachareladozinho – ou menos que dez, sejamos ambiciosos e corajosos como realmente somos! – obtenha um status ainda mais elevado e ainda maior poder, já que poderá, com muito ou pouco esforço, ser reconhecido como um doutorzinho. E isso pouco nos importa – quantos já não são?
Ao nosso olhar “politicamente correto” e absolutamente cego, cada vez mais reproduziremos em farta quantidade a nossa produção de… digamos duvidosa qualidade. Aos olhos atentos do mundo real, no entanto, não seremos qualquer Sociedade entupida de inúteis titulados pela Academia procurando desesperadamente um emprego público, mas apenas uma Sociedade que não se respeita e, por isso mesmo, é capaz de encarar o saber como uma caçoada, uma pilhéria universal.
Enquanto o mundo gira e o nosso País roda, arrastado na ciranda de sua própria incompetência, temas muito importantes são discutidos pelos doutos. E todos eles são muito interessantes. A “autonomia universitária”, por exemplo. Este é, de fato, um objetivo de suma importância, um poder sem o qual nenhuma Universidade, em tempo algum, alcançaria os mais mínimos graus de excelência… Há ainda os distintos “contextos sócio-econômicos de cada uma das Universidades”… Há que considerá-los. E os diferentes contextos sócio-econômicos das diferentes Escolas fundamentais e médias? Devem ser também considerados? Apesar dos esforços feitos pelos últimos Governos para nivelá-los todos, exceto o de seus diretos e indiretos colaboradores, ao mínimo patamar e rotulá-los de “classe média”, as diferenças são flagrantes e abissais! É preciso, pois, que sejam consideradas e, quem sabe?, assim possam ser mantidas. Talvez para isso cuidemos de fabricar tantos altos especialistas em tantos assuntos, credenciados por suas publicações em Revistas internacionais, tanto faz como tanto fez se são meras transcrições de citações de citações, se são apenas conforme a orientação impressa por Governos estrangeiros ou se são de Faculdades de fundo de quintal. São títulos. São status. São poder.
Esses e outros mais são temas de fato muito empolgantes. Acompanhá-los será, por certo, mais importante que combater o racismo, criminalizado na teoria e já descriminalizado na prática, tanto assim que agora nos chega a todo vapor em sua nova versão, a pelo avesso, em detrimento do mérito. A cada dia que passa, o racismo vem sendo mais cultivado, radical, artificial e escancaradamente, e mais se imprime, sob a força das Leis, em nossa Sociedade, mais e mais fragmentando-a. Da mesma forma que a estupidez geral e certas “verdades” julgadas necessárias ao desmonte absoluto de toda uma História bem ou mal já concebida e construída. Em um processo que ninguém discute. Que ninguém discute, talvez – e não digo que sim nem que não – porque nem o Congresso, nem Deputados, nem Senadores, nem a Universidade, nem os Doutores, nem os Bacharéis comovem-se com suas conseqüências ou sequer as sabem projetar. Talvez porque o poder hoje esteja em mãos muito erradas. E em mãos muito erradas o poder pretenda continuar.
Então, perdoem-me o plágio, mas é impossível fugir da pergunta: que fazer? Se pretendemos manter alguma expectativa de que este nosso País sobreviva, parece ser necessário dar bem mais que meia-volta e volta-e-meia nessa alegre ciranda. Há muito e muito para corrigir. Principalmente a nossa viciada perspectiva.
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http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1128262-para-reitores-proposta-fere-autonomia.shtml
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