Se sei que, mantendo aberto o computador, encontro nos telejornais notícias apenas repetidas, se sei que os programas de entrevistas e os documentários nacionais são vergonhosos, que as telenovelas são estúpidas, que a maioria dos filmes oferecidos são mais antigos que Matusalém, são repetidos à exaustão ou, em geral, são aulas de introdução ou de aperfeiçoamento em criminalidade e pornografia, se sei que… … por vezes me pergunto por que não jogo meu televisor no lixo.
E pondero: talvez justamente para, nas raras vezes em que me predisponho a encarar uma programação estúpida, poder constatar o quanto ela continua sendo estúpida. E para também constatar uma das razões, que são muitas, pelas quais acontece o que vem acontecendo em meu País e, assim, poder mais entender o que nele acontece.
De vez em quando, no entanto, muito e muito de vez em quando, encontro algo interessante, que não só me distrai como me serve como termo de comparação – como, por exemplo, o NCIS, que aqui já recomendei, não pelo enredo, que nada tem de especial, mas pela postura – invejável – dos personagens.
Recomendaria também outra série, que me vem, de fato, surpreendendo.
Trata-se de “Government”, uma instigante série dinamarquesa que diz das vísceras do poder (e não se saberá bem o porquê desse título adotado pela televisão brasileira, uma vez que não nos chega dublada em inglês e o título original é “Borgen” = castelo). Nela tropecei ao passar pela GLOBOSAT, não porque tivesse lido qualquer sinopse que a propagandeasse de um jeito “politicamente correto”, mas porque, apesar de não tolerar bate-papos de boteco, sou uma notívaga inveterada e buscava uma distração qualquer não muito estúpida antes de me deitar após uma jornada árdua.
Essa série já havia sido exibida em horário nobre no ano passado, mas, na ocasião, dela não tomei conhecimento. Repete-se agora exatamente à meia-noite. Sorte nossa que ainda não foi refilmada ao estilo norte-americano, com atores glamorosos, cenários luxuosos, tiroteios e cenas eróticas entremeados de correrias desenfreadas de automóveis que destroem tudo o que encontram pela frente – o que muitas vezes acontece com as boas séries de origem européia. Diz de um Governo cuja cabeça é a Primeira Ministra eleita por uma coalizão no Parlamento, após aquele que a antecedeu no cargo ter sido destituído por efeito de uma denúncia de uso, em proveito particular, de… cartões corporativos – aqueles… que existem para ser usados exclusivamente para cobrir despesas feitas em missões de Governo. Nesse processo, o Partido Moderado, com um programa ambicioso, voltado ao futuro, com o firme propósito de que o País pudesse oferecer à população, por exemplo, o mais aperfeiçoado sistema educativo já porventura concebido, substituiu o Partido Trabalhista. No discurso de posse, a Primeira Ministra apelará à unidade nacional que lhe foi, segundo ela mesma diz, suficientemente demonstrada nas ruas após o país ter sido vencedor em um campeonato de futebol…
Quaisquer “coincidências”, porém, hão de parar por aqui.
A cada dia, cobrindo intervalos aleatórios, de dias a um ano ou mais, o enredo se torna mais tenso e mais denso. E nos evidencia que Política nem é ciência nem é arte, é somente Política; e Política, definitivamente, não é para amadores, sejam mal ou bem intencionados. Mas posso crer que nem todos os que assistiram a essa série antes ou que agora a assistem aproveitam os assuntos levantados como os deveriam aproveitar: para poder mais compreender onde, quando e como bem colocar os ditos interesses pessoais, interesses de Estado, interesses de Governo e de Partido, interesses jornalísticos, democracia, direitos humanos, compromissos supranacionais, Forças Armadas etc. etc. em seu raciocínio.
Claro está que cinema é pura fantasia. Assim como as mais sofisticadas criações políticas que conhecemos, pelo menos desde Platão, ou desde o Antigo Testamento, não corresponderam, jamais, a qualquer realidade. Mas nada, absolutamente nada alguém será capaz de produzir ou de apreciar fora do quadro de suas próprias referências. Assim sendo, a série terá tido um extraordinário sucesso na Dinamarca e na Dinamarca terá sido criada por alguma razão. E, nessa sua reapresentação na TV brasileira, já deve estar pela sua metade. Mesmo assim, vale a pena tentar acompanhar o que resta, desconsiderando, por favor, o reducionismo distorcido de alguma suposta “sinopse” bem a gosto do “jornalismo” nacional tal como a que abaixo transcrevo.
Particularmente, até onde pude vê-la, ela me vem ainda muito gratificando porque, uma vez mais, posso constatar que responsabilidade, sensibilidade e, especialmente, feminilidade não se manifestam em estereotipadas insinuações pseudomaternais, palavras e argumentos manhosos, lágrimas em público, iras santas, seios nus ou ginga nos quadris. Mas talvez eu possa me convencer de que aprecie e considere adequado um comportamento objetivo e comedido apenas porque um certo gene que carrego se revelou, de repente, dominante, e me permitiu “redescobrir” uma “ancestral identidade” nórdica… É, talvez…
Mas essa explicação seria, de fato, possível ou mesmo suficientemente inteligente? Não, com absoluta certeza, não! Mesmo porque, no que se refere a pequenos dramas do cotidiano, gosto muito dos filmes ingleses. Genética nada tem a ver com isso. Nem, muito menos, etnia. E nem uma nem a outra terá algo a ver com muitas e muitas atribuídas características individuais ou grupais que “nossas autoridades” usam e abusam alegar nos palanques ensinando o povo a pensar e que nada mais são que uma desculpa frouxa para justificar suas reais intenções.
Tudo bem, os norte-americanos são o que são, os ingleses são o que são, os dinamarqueses são o que são etc. etc. e nós somos o que somos. Mas, por mais que a série dinamarquesa nos pareça muito interessante, não deixa de ser muito triste ver que ela nos permite constatar, também mais uma vez, que, se algo de muito podre existe nesse nosso mundo, esse algo tão podre não estará exatamente no longínquo reino da Dinamarca. Estará, sim, neste reino que nós mesmos vamos erguendo e ampliando na medida exata dos passos em que caminhamos, sempre escolhendo, nós mesmos, o sentido e a direção.
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PS – Só por curiosidade:
1. “O sistema político na Dinamarca tem uma estrutura multipartidária, sendo que vários partidos podem estar representados no Parlamento ao mesmo tempo. Os governos dinamarqueses são muitas vezes caracterizados por serem de minoria, apoiados por um ou mais partidos. Isto significa que a política dinamarquesa está baseada no consenso. Desde 1909, nenhum partido tem tido a maioria no Parlamento.”
2. “O tradicionalmente elevado grau de homogeneidade e consenso na sociedade dinamarquesa está estreitamente ligado a vários eventos históricos: a influência doutrinária da Igreja Nacional Luterana, a uniformidade da população em geral originada pelo absolutismo, a industrialização tardia, e a incapacidade dos partidos políticos em conseguirem uma maioria absoluta própria, tornando o compromisso uma condição da vida política.”
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http://jointicias-tv.blogspot.com.br/2012/04/globosat-hd-estreia-serie-government.html
3. “Sinopse” – “Na série, conhecemos Brigitte Nybor, primeira mulher a se tornar primeira-ministra na Dinamarca, que deve conciliar os deveres de uma mãe divorciada e as obrigações políticas que influenciam em [sic] sua vida privada [???]. Politicamente, ela luta para ter o respeito de adversários e aliados no Parlamento, mas conta cada vez menos com a cooperação do Governo. Importantes questões para a sociedade dividem os adversários e aliados, forçando-a a entrar em assuntos cada vez mais frágeis [???] e recebendo uma crescente pressão que a leva a duvidar de sua capacidade [???] de se manter no poder. No decorrer dos episódios também conhecemos seu cínico [???] Relações Públicas Kasper Juul (Pilou Asbæk) e a ambiciosa e idealista [???] jornalista Katherine Fønsmark (Birgitte Hjort Sorensen).”
mais um comentário a respeito da série, este um pouco mais razoável, embora também tendencioso.
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