Entre as muitas datas a comemorar neste nosso mês de Maio estava o “Dia da Vitória”.
Este selo, impresso em 1946, na URSS, comemorava a derrota imposta aos nazistas, um ano antes, pelos… … teriam sido os nazistas vencidos pelos “Aliados”? Para alguns, não – para os soviéticos e seus fãs de auditório, os nazistas foram derrotados pelo Exército Vermelho. E os “socialistas” celebraram essa vitória no dia 9 de Maio, um dia depois de que os “capitalistas” o fizessem. Por quê? Porque a Imprensa ocidental publicou, um dia antes, o que deveria ter esperado para publicar na data que havia sido combinada. Pois uma data para anunciar e festejar “a” vitória havia sido combinada entre todos os responsáveis por ela. E a Imprensa descumpriu o combinado. Mas a Imprensa, bem sabemos, é… “soberana”…
Pois bem. À 2ª Grande Guerra, que foi uma guerra que envolveu quase que o mundo todo, sucedeu a Guerra Fria, que foi uma guerra que envolveu quase que todo mundo.
Em ambas as guerras, a propaganda – que é um Poder dos que têm Poder – no rádio, no cinema, no teatro, nas ruas, nos versos das canções… encarregava-se de “informar” o vulgo quem seriam os “bons” que enfrentavam os “maus”, e quem seriam os “maus” que estariam contra os “bons”. Em ambas as guerras, o Brasil esteve presente. Nosso País se fez presente, em ambas as guerras, por idealismo, sim, e comportou-se com extraordinário valor. Em ambas as guerras, muitos de nós perderam a vida. Em ambas as guerras, as razões que moviam as legiões eram as razões dos Estados-Potência (questões de “espaço vital” – território e/ou influência político-econômica). De ambas as guerras, o nosso País, por ser periférico ao “sistema” de Poder mundial, participou como coadjuvante. Mas participou também, diplomática e militarmente, tática e estrategicamente, com inequívocas intenções de aproveitar brechas não apenas na Política como na Economia Internacionais – que significam Poder, Poder real, de fato, e caminham na dependência da vontade dos que têm Poder real, de fato.
Durante a 2ª Grande Guerra, por mais que as razões das Potências que se confrontavam se assemelhassem, havia um algo mais em uma delas – o racismo elevado às últimas conseqüências e à mais abominável violência – que, para um País miscigenado desde sua origem, como é o nosso, definiria, de cara, quem seria o “demônio”, embora a definição de quem fosse o “anjo” pudesse e até devesse continuar em aberto. Ao ameaçarmos aderir ao Eixo, conseguimos romper o monopólio europeu e norte-americano na produção de aço. Ao fim da guerra, muitos de nós mantinham a expectativa de que recebêssemos – nem que fosse só por gratidão pela nossa participação – parte dos investimentos que vieram a beneficiar apenas aqueles que haviam sido derrotados. Frustraram-se. Mas o Zé Carioca consolidou seu espaço na Disneylândia… e houve quem ficasse muito feliz com isso.
Éramos ingênuos? Não. Éramos patriotas, idealistas, sim; e, os idealistas, é muito fácil levar na conversa. Descartado, sem mais delongas, do rol – elaborado pela maior potência da época, a que mais se beneficiou da guerra – dos que “deviam” ou “precisavam” se desenvolver e descartados os benefícios financeiros ambicionados, o nosso País periférico, que se uniu, na primeira hora, aos que formaram a ONU, durante a Guerra Fria continuou buscando afirmar-se e ter voz efetiva no cenário internacional. Procurava realizar o potencial de Poder que parecia lhe ter sido prometido pelo Destino. E, para tanto, cuidávamos de nos ordenar da melhor forma e correr atrás do prejuízo, logrando, eventualmente, alguns bons resultados. Mas tanto as regras do “sistema” de Poder, formado de arranjos entre as Potências de fato, como as intenções das Potências de fato nunca foram muito fixas nem muito claras e confiáveis.
A 2ª Grande Guerra teve fim, e um Tribunal ad hoc julgou e condenou ao inferno aqueles que exacerbaram em atitudes de desrespeito ao princípio de igualdade entre os Homens por sua própria natureza. Tais atitudes lhes eram exclusivas? Não. Nem com essa condenação desapareceram por encanto da face da Terra. Mas costumam ser bem mascaradas sob rótulos diversos, até mesmo sob o de “libertação dos oprimidos” pelo preconceito ou coisa que o valha. Quanto à chamada Guerra Fria, que se manteve como guerra por razões especificamente econômicas e políticas, especificamente geopolíticas, seria o caso de nos perguntarmos se ela conseguiu, de fato, ter um fim, ou, do aspecto “filosófico”, só mudou de nome, de lugar, e alguns de seus personagens se transfiguraram, permanecendo bem acesos os “pressupostos teóricos” que a justificaram.
A propaganda, e nada mais que a propaganda, continua hoje “informando” o vulgo da mesma forma que antes o “informava”. Propaganda da qual a “visão de mundo” do comum dos mortais continua dependendo. E continua dividindo, em nosso País periférico, multidões absolutamente desarraigadas, que obedecem a ordens dos mais poderosos “anjos” e “demônios” que são pela própria propaganda criados e recriados, desviando a atenção do que deveria ser pensado a sério – o Estado brasileiro. Essas “informações”, que são transmitidas ao vulgo em quantidade que por vezes o soterra, servirão de parâmetro para que ele, vulgo, julgue os que antes se envolveram e os que hoje se envolvem na Política nacional; e para que ele condene os… ora, os condenáveis!
Hoje em dia, a nossa História anterior a 1988 se vê condenada porque, por uma especial conjugação de pressões externas e convulsões internas, não conseguimos fazer do nosso País “do futuro” o nosso País do presente. O Tribunal ad hoc que se vê criado para condenar a nossa História é a Imprensa, que é “soberana”, a “nossa” Imprensa, em processo que ela mesma há de chamar de “popular” e “democrático”… Isso podemos acompanhar no que vem sendo publicado desde sempre a respeito de grandes feitos e dos grandes vultos dessa nossa árdua História que comove ninguém, apesar de que muitas histórias da carochinha consigam muita gente comover; e pudemos acompanhar, mais recentemente, no que foi publicado especialmente durante todo o mês de Março, que se estendeu pelo mês de Abril… e continua, neste Maio, sendo matéria “quente”… resultando em que, no último dia 8 – o dia comemorado pelos Aliados como sendo o “da vitória” contra a manifestação dos mais infames arbítrio e ignorância de que temos notícia no mundo contemporâneo, dia este que, por aqui, já não mais encontramos razões para comemorar –, fosse aprovada, sem qualquer alarde, a revisão da Lei da Anistia pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado brasileiro. Foi o dia de uma batalha decisiva à vitória da propaganda, de seus comandos e de seus exércitos.
As “informações” que Randolfe Rodrigues, um Senador do estado do Amapá eleito pelo chamado Partido da Solidariedade (a quem, exatamente, não se sabe), recebeu desde sua infância em Garanhuns-PE, nada mais que elas e apenas elas, foram o que o induziu a que apresentasse um projeto de Lei que “permite que militares e civis responsáveis por graves violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar sejam punidos”. Seriam “informações” a respeito do que ocorreu bem antes, muito antes, de que o Senador Randolfe Rodrigues fosse concebido com aquela expressão de “ingenuidade” que a ninguém convence. Se estávamos em guerra durante o período denominado como “ditadura militar”, isso pouco nos importaria considerar: o inimigo não poderia ter sido tratado como um inimigo – ele seria um parceiro de jogos! E, para que os combates, ou, melhor, as “partidas” fossem esquecidas, as “informações” sobre esse período deveriam resumir-se a uma única palavra à qual seria atribuído um significado pleno, dramático, mítico: a palavra “porões”. E nada mais se faria necessário.
“Porões” seriam lugares misteriosos, úmidos, mal iluminados, imundos, repletos de coisas enferrujadas e inúteis, freqüentados por ratos, morcegos, tarados e fantasmas… Imagine-se o pavor que provoca a mera alusão a tais “porões” quando a eles são vinculadas as palavras “ditadura” e, especialmente, “militar”… É de arrepiar! E imagine-se a repulsa que alguém que seja apontado como direta ou indiretamente próximo a militares, à tal “ditadura” e tais “porões” inspira. “Porões” vem sendo a palavra mais mastigada e saboreada mesmo por quem nunca viu um porão na vida. Ou principalmente por quem nunca viu um porão na vida, nem viu uma ditadura, nem conheceu militar algum. Transformou-se em palavra-ícone, muitas vezes até chique para ser usada em rodas “intelectualizadas”, palavra à qual podem ser atribuídos efeitos mágicos, fazendo-a capaz de substituir vários parágrafos ou até páginas e páginas de bons argumentos ou fatos; palavra-tema que merece pesquisas acadêmicas, que seduz aficionados de emoções radicais e roteiros cinematográficos; palavra rendosa, que dá crédito aos Governos e os anima a conceder bolsas de estudo, que hipnotiza todo mundo. A palavra é tão usada, sem se desgastar, que muita gente de pouca idade ou de pouco siso suporá que, antes de 1988, o País inteiro seria nada mais que uma cadeia de “porões” interligados, uma “rede” de “porões”. A palavra faz a festa. E embriaga e paralisa todo mundo, física e intelectualmente.
Se as “informações” que recebemos a tal não se reduzissem e não nos paralisassem nem nos deixassem asfixiados e tontos, estaríamos hoje preocupados com o futuro de nosso Estado, estaríamos valorizando seu passado institucional, fosse qual fosse a história oficial; e não haveria quem, levianamente, fizesse de conta que guerra não é guerra, não haveria quem preferisse ignorar – quando não justificar – as atrocidades todas que foram cometidas, a céu aberto, por terroristas em suas aventuras guerrilheiras, os desvios todos cometidos por pseudo-intelectuais em aventuras jornalísticas e acadêmicas, em nosso próprio território. E não haveria quem os elegesse, nem quem elegesse seus devotos, os defensores de seus nichos de poder que se transformam em verdadeiros santuários.
O que nos demonstra que o terror intelectual – modalidade de terror que hoje se pratica com desenvoltura em alguns meios prestigiados pela Imprensa e pela Academia – é bem mais violento, mais eficaz, mais sutil e mais corrosivo que qualquer ameaça física é que as atividades jornalísticas e as atividades acadêmicas, que se perpetuam nelas mesmas, não permitem que as atividades guerrilheiras contra a ordem do Estado, que foram substituídas pelas do narcotráfico ou nesta se incorporaram, sejam combatidas com algo mais que meia dúzia de bons conselhos. E que, agindo como paus-mandados de alguns imbecis com individual “sede de vingança” (?) ou apenas por estúpida esperteza e por submissão ao interesse e aos caprichos de Organismos Internacionais, os nossos Congressistas legislem à sua vontade em seu próprio benefício ou em benefício de outrem sem considerar o interesse do Estado brasileiro.
Não é, exatamente, que tenhamos um Estado que “está onde não deve e não está, não de modo eficiente ao menos, onde deve”, como nos dirá Reinaldo Azevedo. A questão é muito pior. E muito mais grave. Nós já não temos um Estado, nem sequer sabemos o que seja um Estado, e isso já faz um bocado de tempo. Facilitado pela política alienada que se implantou no País a pretexto de ser “democrática” (?), um grupo de irresponsáveis, “gigantesco e tentacular”, invadiu o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e governa a Sociedade inteira, esse monte de gente que não sabemos, nem ela própria sabe muito bem, por que se diz brasileira. A propaganda chama aquele grupo de “Estado”. E a Sociedade quase inteira acredita que de fato o seja. E, por isso, acreditará na propaganda de que “o Estado” esteja “de mais” em setores onde não deveria estar e “de menos” em segurança, em educação, em saneamento e urbanismo etc.
O nosso Estado não está “de menos” nesses setores – ele apenas não está. E não está em qualquer setor que seja da vida nacional – nem está no petróleo, nem na energia, nem na água, muito menos estará no setor bancário. Ele apenas desapareceu. Não estará sequer no Haiti ou no Congo, onde estão uma tropa e Generais brasileiros, onde a ONU está, onde estão os Soldados da ONU. Estado é algo que, um dia, já tivemos. Hoje não temos mais. Nem sequer temos a expectativa de formá-lo novamente. Porque não temos mais a mínima idéia do que seja um Estado. Nem mesmo os que teriam por exclusiva função e por missão defendê-lo.
E, com tanta propaganda de que a agressão que se fazia ao nosso Estado durante a Guerra Fria era uma “resistência” dos “bons” contra os “maus”, um movimento puro, desinteressado, romântico… “lírico, quase idílico, que considerava um pedaço de céu azul como uma força civilizadora…” (e isso aqui entre aspas, que é bonito, não é meu, é do Eça…) – tal como possam o hoje Senador Randolfe Rodrigues, ainda de cueiros na década de 1970, e muitos outros iludidos imaginar que deveria ser “a luta sonhada e desejada pelos exilados” – propaganda essa que nunca foi de fato combatida, nem mais sequer foi contestada a partir da Lei da Anistia, é perfeitamente compreensível que haja quem hoje considere que a guerrilha fosse um programa alegre, adequado às férias com a família, ou até mesmo a uma lua-de-mel, que a “ditadura militar” atrapalhou com sua… “irracional truculência”… E que o regresso ao lar-doce-lar dos guerrilheiros-terroristas e demais fugitivos que lhes dedicavam simpatia deveria ser celebrado, para todo o sempre, com oferendas de empadinhas de palmito e beijinhos de coco, todo mundo lhes agradecendo de joelhos as inocentes e boas intenções, cantando “parabéns pra vocês” e contribuindo, com acendrado espírito cívico, para que a festa nunca, nunca mais, terminasse. Que gracinha…
Querem saber de uma coisa? Ignorância, tudo bem. É triste, no entanto, é superável, ou pode ser contornável. Falta de caráter, tudo bem também. Não tem cura, no entanto, é controlável. Mas… gracinha? Gracinha eu não perdôo, não. Gracinha é deboche. Gracinha é imperdoável.
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