“Afinal apareceu uma coisa diferente no Brasil, coisa que de certo modo quebra a monotonia cotidiana: guerrilheiros em Caparaó”.
Essas palavras foram “colhidas” na internet.
Na internet encontramos um monte de coisas. Úteis ou inúteis. Interessantes ou idiotas. Aproveitáveis ou nocivas. Sérias ou divertidas. A internet é um depósito dessas coisas todas, sempre aberto a qualquer um, sem que exija qualquer critério de seleção. Temos, na internet, os nossos arquivos, o nosso correio particular, diferentes jornais e revistas do mundo inteiro, alguns livros, alguns filmes, o Google, o youtube, o facebook… e… não, definitivamente, não, nem por isso a internet será um instrumento de qualquer Cultura… que Cultura de fato seja. Não, mesmo. Mas é um instrumento que, por permitir a comunicação (quase) gratuita, permite que sejam disseminados e consolidados certos “cultivos”; ou, dizendo de melhor forma, permite que quaisquer idéias que justifiquem quaisquer atitudes sejam semeadas. E cultivadas. Quanto maior a facilidade e a menor complexidade do cultivo maior será a colheita e maior será o consumo. Temos, assim, ao nosso alcance, e ao alcance de qualquer um, uma internet… “de resultados”…
Aquelas palavras que colhi, que nos induzem a qualificar o cotidiano como monótono quando ele está em paz, quando nada o perturba ou agita, são de Carlos Drummond de Andrade e foram publicadas em “O Estado de Minas” no mês de abril de 1967, quando internet ainda não havia. Serviram, quarenta anos depois, em 2007, de introdução ao documentário dirigido por Flávio Frederico que, conforme o comentário postado no youtube (www.youtube.com/watch?v=qGlbHfG8aGA), contém depoimentos que esclarecem “a memória que os guerrilheiros faziam de si mesmos enquanto parte do seu presente, e que presente é esse que identificam (durante o filme, afirmam que participavam de uma continuidade política que vinha antes do golpe de 64, e que tinha relações com movimentos sociais externos, como no caso a revolução cubana)”.
Já em “profissão militar”, uma das páginas encontradas no facebook (www.facebook.com/pages/Profiss%C3%A3o-Militar/352325294779538?ref=stream), colhi a imagem abaixo, postada com o seguinte comentário: “Vi esse post por aí… A frase era “Prefiro TER QUE voltar a ver estas…” Modifiquei um pouco a frase. Para mim faz mais sentido assim!”
Ter uma preferência não indica necessariamente ter inteligência, refinamento ou discernimento. Indica apenas ter uma preferência. E o verbo preferir dá oportunidade a que se cometam muitos erros. Errado, por exemplo, estará o título de outra página, aliás, de muito bom coração, repleta de fotos e figurinhas, no facebook – a “prefiro bicho do que gente”. A preferência expressa é muito simpática, sim, pois indica que, com carinho e atenção, até mesmo com respeito, devam ser tratados os animais… exatamente porque são confiáveis. Merece respeito todo aquele que se demonstra confiável. Quem não se demonstra confiável não o merece. Mas as palavras, usadas de forma errada, correm o risco de ser somente interpretadas como uma bordoada em nossa linguagem.
O erro ou o acerto de “sentido” encontrado na redação anterior da frase que acompanha as imagens em “profissão militar” não estaria na regência do verbo preferir, como se vê. Mas nada sutil é a diferença entre as duas frases – pelo contrário, é bastante considerável. A primeira implicava um ser obrigado a (“ter que”) voltar a ver no Poder estrelas que nele já estiveram e dele se afastaram; a segunda implica aceitar, de bom grado ou indiferentemente, aquelas estrelas no Poder. Apenas perceberá a diferença quem conhecer a linguagem, e quem acreditar que o pensamento possa e deva ser bem expresso em palavras. O que não requer amar estrelas ou tentar ouvi-las para que possam ser bem entendidas.
Vários outros comentários se acrescentaram a esse primeiro a respeito de ditaduras, democracias fulanos, beltranos, sicranos etc. etc. Muitos deles exaltados, com muitas letras formando palavras que, juntas em frases, muito ou nada nos diriam. Eu, aqui, de acordo com minhas preferências – pois cada um se ressentirá do autoritarismo como bem o pressentir, bem o compreender, bem o preferir ou bem o aceitar (ou não) –, digo que a frase estaria mais adequada ao nosso cotidiano que, faz tempo, vem sendo um bocado monótono, caso fosse corrigida para “Preferiria voltar a ver estas estrelas (as 4 do Generalato das 3 Armas nobres) a governar o meu Brasil a ter que ver esta (a estrela vermelha do PT) a fazer o que vem fazendo para destruí-lo” – “preferir” estará no futuro imperfeito e “fazer”, reparem, estará preposicionado, a exemplo do que “governar” exigiu.
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Filigranas?
Não, não são filigranas. As palavras, como as imagens e os fatos, têm significado. Poucas, muito poucas, porém, serão plenas de significado e de sentido, ou mesmo terão algum significado ou algum sentido quando isoladas. As palavras, as imagens e os fatos não são quaisquer símbolos em si e por si mesmos. Ganham sentido e significado quando em uma relação com outras palavras e/ou imagens e fatos que lhes possam ser relacionados. Ou quando são restritivamente relacionados. Assim, por vezes ganham sentidos e significados absolutos, e poderão tornar-se símbolos, caso o desejemos e/ou permitamos. O arco-íris, por exemplo, que é um só, nenhuma significação possuía exceto a decorrente de ser um belo fenômeno atmosférico… até que sua beleza e sua universalidade nos foram surrupiadas por certo grupo de indivíduos com interesses específicos que não mais nos permite o direito desfrutá-las, nem mesmo permite que sejam apontadas às crianças nas Escolas senão lembrando um único recado – o de que devemos ser não só tolerantes com os componentes desse mesmo grupo como desse grupo ser entusiastas e/ou participantes. Portanto, a imagem de um arco-íris não mais se refere simplesmente a “o” arco-íris e, onde quer que hoje seja apontada, exigirá adjetivos, preposições… Já às estrelas, também por exemplo, que são inúmeras, poderemos emprestar qualquer significado – o que não quer dizer que todas elas, por alguma razão, não possam alguma vez ser vistas como associadas ao PT.
Poucos, muito poucos, são também os que se preocupam com observar significados e sentidos, assim como são poucos os que se preocupam com observar as flexões possíveis das palavras, sua regência, especialmente a de nossos verbos, ou qualquer regra de linguagem. A tendência vem sendo cada vez mais desestruturar a língua portuguesa, mesmo a coloquial que nada tem de “elitista”, por puro pouco caso, e cada vez mais incentivar sua desestruturação, substituindo-a por “ícones”, por “sons” e por vários dialetos locais rudimentares apelidados de “populares e democráticos” que apenas transpiram ignorância absoluta.
Seria possível, no entanto, pelo menos desconfiar de que haja certa intenção específica nesse “pouco caso”. Intenção que boa não será. Quem fala e escreve errado necessariamente ouve, lê e vê errado, compreenderá tudo e qualquer coisa da forma errada, refletirá da forma errada e, conseqüentemente, agirá de forma errada. E errado é o que faz mal. Até poderá saber soletrar e assinar o próprio nome, e melhor seria que nem soubesse, pois, mal letrado, nem saberá ler, nem escrever, nem ver, ou seja, nada saberá identificar, mas acreditará que sabe e disso não duvidará. E, acreditando e não duvidando assim, errado, nem será capaz de, sequer, encontrar erros no que faz ou no que é feito.
Caso ninguém experimentasse tanta aversão a ler textos longos, aqueles com mais de 100 palavras – como este, por exemplo… –, caso todos observassem não só a regência nominal e verbal como as demais regras da linguagem e outros tantos protocolos e regras mais, necessários à boa comunicação, caso todos observassem o sentido das palavras em sua relação com as demais e as frases em sua relação com as imagens e, principalmente, com os fatos de fato, a reprodução inconseqüente de muita bobagem que hoje é dita, ouvida, vista e lida poderia ser evitada. Ou, pelo menos, poderíamos ter algumas discussões bem proveitosas. E muitos mitos “incontestáveis”, que se extraem do lixo que não é apenas oral, mas também é escrito e pode ser ilustrado com imagens verdadeiras ou forjadas, que vem sendo espalhado pelo território nacional com grande ajuda da internet, estariam adequadamente classificados no rol das burrices e das mentiras perversas que esvoaçam em nosso País pretendendo pousar e se aninhar em nossas cabeças, esvaziando-as de conteúdo, não no rol das “verdades absolutas”.
Por outro lado, temos em nossa população muitos intelectuais. Intelectuais devem gostar de ler. E temos muitos poetas. Nem todo intelectual é um poeta e nem todo intelectual gosta de poesia. Poetas, sim, gostam de poesia. Se não gostassem, não seriam poetas. Mas não só poetas gostam de poesia. Para quem sabe, quer e gosta de ler além da poesia, aquela frase de Carlos Drummond de Andrade, um poeta, um intelectual, mostrar-se-ia em explícito e absoluto antagonismo com qualquer expectativa de paz social que tanto é alardeada por tantos de nós, reconhecidos (ou não) como intelectuais e, às vezes, até como poetas. Não tivesse sido escrita por um Carlos Drummond de Andrade, não fosse Carlos Drummond de Andrade reconhecido como um intelectual, como um poeta, e imediatamente afirmaríamos que aquela frase, estampada como introdução a um filme que pretende ser didático, teria sido muito estúpida e muito infeliz.
Não encontrei o texto de Drummond na íntegra, mas algo dele foi lembrado em www.dirigida.com.br/news/pt_br/tamanho_da_letra_estado_de_minas/redirect_11972777.html, onde se lê: “Constatando o fracasso do levante – ‘vencido pelos ratos, antes do combate com as tropas’ –, o escritor mineiro não deixa de valorizar a tentativa: ‘Aqueles camaradas magros, barbudos, enfraquecidos, que desciam da montanha e se esgueiravam entre sombras, intrigavam os moradores das margens do Manhuaçu. Até a polícia acorda nessas ocasiões. E polícia acordando, o Exército vai ver o que é que há. Foi. Os guerrilheiros presos, e a Serra do Caparaó, ao que tudo indica, não será mais agora-outrora uma versão mineira de Sierra Maestra. Mas aconteceu. Esse nome de guerrilheiros soa a nossos ouvidos com um timbre de herói moderno, que às vezes tem sorte, e muitas outras entra pelo cano. Mas, sem dúvida impressiona mais do que o guerreiro, tão velho e gasto este último que até o Ministério da Guerra mudou de nome, pela reforma administrativa’, finaliza Drummond.”
Que valor exatamente teria ou ainda terá a “tentativa” que “de certo modo” quebrou nossa “monotonia cotidiana”, que terá sido vencida “pelos ratos antes do combate” e que o poeta, poeticamente, tanto valorizou? Estúpida e infeliz, porque absolutamente inconseqüente, por mais poética que nos possa parecer, será não apenas aquela primeira frase de Drummond como as demais aqui transcritas, ou talvez o texto inteiro publicado em 1967; e também será, especialmente, estúpida e infeliz a valorização da valorização do poeta das intenções de quem se imagina um “herói moderno” porque “às vezes” teve “sorte, e muitas outras” entrou “pelo cano”, dependendo se foi ou não capaz de acordar a Polícia e motivar a curiosidade do Exército. Que não se importe o Exército se algo acordou a Polícia? Que durma a Polícia, para que os delinqüentes sempre tenham sorte e não entrem pelo cano? Ou para que os ratos tomem conta de nosso pedaço?
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Já a declaração postada em “profissão militar” pôde sugerir aos emprenhados pelas orelhas – convictos de que a “arbitrariedade” da Polícia ou do Exército nos proporcionou, no passado, uma “ditadura” – que estava sendo dito que uma “ditadura militar” seria preferível ao atual regime supostamente “democrático”. Assim como as palavras isoladas pouco dizem, e apenas terão significado quando postas em uma frase, uma imagem, uma frase ou um fato apenas ganham significado quando em relação a um processo. Quem não atenta ao processo não saberá compreender ou interpretar qualquer palavra, qualquer frase, qualquer imagem ou qualquer fato.
Não exatamente à toa ou por acaso, ainda por exemplo, o Senador Jarbas Vasconcelos – que nunca “teve que” exilar-se do País, que não pode alegar que tenha sofrido torturas, que, em 1966, foi um dos fundadores do Partido de oposição ao regime de 1964, que foi eleito Deputado estadual em 1970, Deputado federal em 1974 e foi candidato a Senador em 1978 disputando vaga que se preencheria por voto direto – declarou, em entrevista publicada em um blogue (http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/05/16/jarbas-vivemos-uma-situacao-pior-que-ditadura/) que: “Eu assisti pela televisão a um debate de altíssimo nível entre duas figuras de reputação ilibada. Um responde a um processo no Supremo Tribunal, o outro está condenado, em primeira instância, por formação de quadrilha”. E não exatamente a bem de toda a verdade, acrescenta: ”Vivemos hoje uma situação pior do que a que atravessamos na época da ditadura [quando] (…) havia dois partidos: Arena e MDB (…) Em determinados momentos, a Arena ficava meio encabulada de massacrar o MDB. Agora é diferente. Eles fazem o que querem. Anunciam claramente o que vão fazer. E fazem.” E argumenta: “Então a gente é massacrado e tem que ficar calado? Na ditadura não adiantava recorrer ao Supremo. Agora, pelo menos nesse aspecto, é diferente.”
O Senador – do PMDB, Partido da base aliada ao Governo do PT, que tem em seus quadros o nosso Vice-Presidente e que até hoje não foi capaz de sequer alinhavar qualquer arremedo de projeto nacional – reclama hoje de que suas preferências não estão sendo levadas em consideração no Congresso Nacional. Mas, ao traçar um paralelo com o regime anterior (absolutamente desnecessário dada a evidência da nossa atual monotonia cotidiana), esquece-se de que os responsáveis por aquele regime nunca afirmaram que ele não era um regime de exceção, tanto assim que ele se autodissolveu; esquece-se também de que o bipartidarismo alegado abrigava seis sublegendas, organizadas internamente como verdadeiros Partidos, cujos participantes, em sua maioria, acomodaram-se em posição de “esquerda” e de “centro-esquerda” tão logo novos Partidos foram criados após a “abertura”. E ainda se esquece de que a única função de qualquer Tribunal é apenas julgar – e aceitar julgar – estritamente conforme a Constituição e os Códigos em vigor. A quem antes “não adiantava recorrer ao Supremo”? E “não adiantava” por quê?
Os que tanto falam em “ditadura militar” para justificar as “liberdades” e os “direitos humanos” concedidos pelo novo regime se esquecem de que o inegavelmente rígido sistema estabelecido em 1968 deveu-se a um processo que foi iniciado bem antes de 1935 exatamente por aqueles que não acreditavam em quaisquer liberdades ou direitos humanos (ou assim o demonstravam com atitudes cruéis e cruentas praticadas no mundo inteiro), e de que o “regime militar”, reconstitucionalizado em 1967, dissolveu-se em 1° de Janeiro de 1979, quando os Atos Institucionais perderam validade e o Congresso votou uma série de emendas constitucionais. Esquecem-se de que o mesmo processo continuou até 1985, quando houve eleições indiretas para a Presidência da República, e prosseguiu, em 1986, quando foi eleita a totalidade de um Congresso que, logo em seguida, transformou-se, por ato do Presidente – indireto! – José Sarney, em Constituinte, e elaborou a Carta promulgada em 1988; esquecem-se de que a anistia aos indesejados durante o período de Presidentes militares, anistia que permitiu que esses indesejados voltassem ao território nacional a fazer, livremente, sua eterna demagogia que, por ser eterna, faz-se até hoje, foi concedida quando um Presidente militar estava no Poder; esquecem-se de que tudo isso aconteceu exclusivamente porque os Oficiais militares assim o permitiram, quando não o desejaram expressamente, alguns deles acreditando, ingenuamente, em que o Brasil pudesse já ter tomado jeito; esquecem-se de que os Presidentes de muitos Estados, de Nações respeitáveis, não são eleitos diretamente pelo povo, aliás, muitos deles, talvez os mais democráticos, ainda têm reis e rainhas a representá-los; esquecem-se de que os Oficiais militares foram os que nos garantiram a República no que muitos chamam hoje de “golpe militar” etc. etc. Esquecem-se disso tudo e de muito mais, ou nada disso conhecem, porque nada leram ou porque, se algo leram ou ouviram, nada souberam compreender.
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O que pretenderiam sugerir aquela frase, indicando uma preferência, e aquelas quatro imagens, sendo o significado de uma delas (em tese) oposto e conflitante com o significado das outras três, publicadas em “profissão militar” – porque este é o limite do que poderiam sugerir – é, pois, apenas o seguinte e nada mais: as três Armas nobres, por conterem em seus quadros especialistas em diferentes assuntos, teriam (em tese) muito claro o que é necessário fazer para que o nosso País fosse confiável, respeitável e respeitado. Não que hoje o tenham claro de fato, apesar de que o devessem ter. Mas, para o País como um todo, para qualquer civil bem intencionado, inclusive para o bom Exército de ontem, de hoje e de sempre, mesmo que as sucessivas Presidências militares pós-1964 não se configurassem como reflexo de um regime ideal, teriam sido elas preferíveis a algo semelhante ao estado atual – um estado perverso que, à época daquelas Presidências, foi evitado e por um bom tempo pôde ser postergado; um estado em que o nosso País hoje se vê, entregue não só aos ratos como às baratas, sua direção confiada àqueles que se agarram ao Poder como “heróicas” sanguessugas, confiada a um Partido que pretende ser único dono da verdade e não sofre qualquer pressão contrária que lhe exija, sequer, que se sinta “meio encabulado de massacrar” qualquer oposição, e, por isso mesmo, sempre terá muita ”sorte” e nunca “entra pelo cano”; estado esse que alguns indivíduos e/ou alguns grupos (que promovem danças da chuva e priorizam Carnaval, favelas, futebol, sexo, drogas e alegadas experiências de ditas “celebridades artísticas e políticas” e falsas vítimas de tortura ou de exílio voluntário, ávidos por, a qualquer preço, ver seus sonhos de aventuras principalmente financeiras transformados em realidade e/ou por impor seus interesses particulares sobre os interesses comuns) descrevem, demagogicamente, como um grande e louvável esforço por transformar e ultrapassar a imagem de um Brasil cada vez mais decorativo e mais inútil aos brasileiros (usando aqui, pelo avesso, as palavras com que uma livraria virtual (www.livrariaoperamundi.com.br) recomenda a leitura de “Brazil [sic, com “Z”], um País do Presente”, livro recentemente lançado que “tenta ajudar o leitor a entender como os americanos [sic] enxergam esse novo Brasil que, aos olhos do mundo, vai finalmente deixando de ser uma promessa eterna”…).
O que as imagens e a frase postadas em “profissão militar” põem de manifesto é, portanto, uma divergência de rumos, de objetivos, de identidade, de valores, de consciência, de caráter, não de temperamento, personalidade ou profissão, e quem bem lê e bem vê assim as verá e as lerá. Uma divergência que nasce do exercício de avaliação das necessidades e das prioridades nacionais. É um alerta ao perigo do resultado de um processo que tentou ser, mas não pôde ser interrompido em 1964 ou em 1968, e vem sendo alimentado lautamente por toda uma “sensível” e “romântica” gente que suspira de emoção ao ter notícias das ações “heróicas” dos que quebraram a nossa “monotonia cotidiana” em 1967, dos que insistiram em nada mais fazer que apenas justificá-las nos anos seguintes e mais insistirão nisso até que tenham nas mãos o Poder absoluto. Uma gente “sensível” e “romântica” que não só “legitima” essas ações como as “legaliza”, tal como pretende ou apenas aceita “legitimar” e “legalizar” muitos outros delitos e crimes que vêm sendo cometidos contra a Sociedade nacional. Seria esse processo, levado adiante por esses “heróis modernos”, louvável por ser um processo “socialista”? Ou é apenas um processo criminoso que precisa de ter um fim?
A essas questões todas não se limita um quadro bem mais amplo que exige, para ser avaliado, um pouco mais de abstração que a exigida para assistir a filmes de aventuras ou para folhear gibis com figurinhas, quadro que, infelizmente – em virtude da exaltação atual não só das Armas nacionais como das demais profissões de Estado, Diplomacia inclusive, como adequadas a ambições aventureiras e/ou mercenárias, como oportunidades de ganhar mundo, de obter projeção e desfrute individuais e ascender socialmente – a ninguém mais, ou, pelo menos, não à nossa maioria, nem mesmo a qualquer pequeno grupo com potencial de organização, vem interessando avaliar ou sequer considerar. Seriam considerações que, por exigirem constância, por certo poderiam ser consideradas muito… monótonas…
Mesmo que atribuir o regime anterior exclusivamente aos Oficiais militares seja uma enorme ignorância; mesmo que atribuir um caráter antidemocrático a um Oficial militar pelo simples fato de que este é um Oficial militar seja não menos que uma estupidez descomunal; mesmo que discutir uma oposição construída perversamente entre “civis” e “militares” em termos de um caráter pessoal que possa ser decorrente de uma profissão ou de uma função seja uma estupidez maior ainda, uma estupidez própria de quem não só não sabe ler ou ver como não quer ver ou ler porque não quer saber, muitos de nós são os que preferem saber apenas das ficções que lhes dizem de rebeldes sem causa (ou cuja “causa” esteja em seu próprio bolso), de “heróis” cujo heroísmo apenas nas asas da imaginação possa ser encontrado, de ações e intenções romanceadas que sejam capazes de quebrar a monotonia cotidiana de quem por elas se interessar. E muitos são os que preferem saber dessa ficção apenas se e quando transformada em imagens, que dispensam palavras.
Hoje, por aqueles que nada sabem porque nada querem saber e porque não lêem, e não lêem porque não sabem ou não querem saber ler, pôde ser condenada como “ditatorial” a “voz de comando” militar ouvida em 1964 – um brado heróico que aglutinou militares e civis nem sempre competentes, mas minimamente conscientes da importância de serem levados adiante a ordem e o progresso inscritos em nossa Bandeira; brado retumbante que buscava evitar a desordem e o retrocesso nacionais e ordenava punir arruaceiros, aventureiros e terroristas contra os quais travou-se em nosso território uma verdadeira guerra sem que outros mais, que não fossem Soldados e Comandantes de diferentes Pátrias, Nações e Estados, nela se envolvessem; “voz de comando” que ecoou aos quatro ventos, mas perdeu-se na brisa mansa de um supranacional bom-mocismo politicamente correto e na brutalidade da tempestade de areia que nos soterra num mesmo deserto de idéias, sendo substituída por uma “palavra de ordem”, primitiva como um uivo, que nenhuma abstração ou compromisso exige e que se resume a “cada um por si e todos por nada e coisa nenhuma”, dita correta porque dita “civil”.
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Atenta às “artes”, a mesma Imprensa que está na internet e nos induz a prestigiar os “ex-guerrilheiros e ex-terroristas de ontem” – os que procuraram e conseguiram quebrar a nossa monotonia cotidiana com uma tentativa que “sem dúvida impressiona mais do que” a ação contrária do Exército nacional “guerreiro, tão velho e gasto” que não só “o Ministério da Guerra mudou de nome” como entregou seu corpo e sua alma a um bicho disforme e inútil denominado Ministério da Defesa – procura nos induzir a aplaudir como “heróis” os que hoje ainda tentam, seja como for, quebrar seu terrível tédio existencial exclusivamente individual. E, assim, ao mesmo tempo em que o período dos Presidentes militares é condenado como “ditadura” que teria sacrificado jovens brasileiros idealistas, podemos ler, por exemplo, que “pelo menos 12 brasileiros, a maioria ex-integrantes do Exército do Brasil, fazem parte da 2ª e da 3ª companhia do 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas (2ºREP) da Legião Estrangeira, tropa que integra o Exército da França e é especializada em combate em áreas de montanha e combate anfíbio”; e o entusiasmo manifesto com essa “aventura radical” nada monótona, que permite perceber um bom salário e conhecer “muitos lugares pelo mundo”, deve-se a que, “quando você está atirando ou sendo alvo de tiros, entra na adrenalina”, sendo até “engraçado estar sob fogo“. Nessa “aventura”, bem mais emocionante que distribuir cestas básicas, mergulham jovens que não se realizam aqui no Brasil, que gostam do difícil, que querem mais perigo e vivenciar uma guerra real, que se reconhecem sem limites e acreditam que isso tudo, inclusive sendo bucha de canhões, sejam eles franceses ou sejam da ONU, com certeza, vale a pena (g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/na-legiao-estrangeira-ex-soldados-do-brasil-combatem-rebeldes-no-mali.html).
Em suma, não perdemos somente a noção do Bem e do Mal, a noção de identidade, a noção de unidade nacional ou a noção do perigo – perdemos também a noção do ridículo. E, se a perdemos, com que propósito alguém haveria de querer levantar e discutir as razões que nos levaram a esse estado de tão baixo nível? Como? Com quem? Para quê? Com que palavras? Em que língua? Para tentar encontrar soluções? Para quem? Muito embora esse exercício, não exatamente “heróico”, mas, por certo, árduo, muito árduo, por ser tão “diferente”, talvez até pudesse quebrar a nossa melancólica monotonia cotidiana… Mas, convenhamos, seria extraordinariamente cansativo…
Muito bem acomodados em nossas confortáveis poltronas, além de acompanhar as excitantes discussões no Congresso que elegemos em absoluta liberdade e as notícias do número de homicídios e estupros diários nas ruas de nossas cidades, infinitos, poderemos escolher entre assistir a um “Caparaó” ou assistir a um “Beau Geste”, ou a qualquer aventura parecida, tanto faz. As ações nos emocionarão, não importando a trama ou suas razões. Entraremos na adrenalina, mesmo que por osmose. Poderemos sofrer, gritar, chorar, sorrir e, mais que tudo, torcer. Não duvido de que, muito logo, a Petrobrás e o BNDES ponham recursos à disposição de nossos criativos novelistas e cineastas para que produzam uma aventura romanceada qualquer tendo por pano de fundo a Inteligência e as extraordinárias habilidades brasileiras no Haiti – o que quebraria não só a monotonia cotidiana como a melancolia de alguns. Ou, desde já, poderemos assistir a um “show de química” e aprender, com alguém experiente e fardado como um verdadeiro Soldado, por escrito, porque nada se ouve em virtude da baderna sonora na “classe de aula”, a receita de como fazer uma bombinha caseira em um vídeo, divulgado pela Faculdade de São Bernardo do Campo (www.youtube.com/watch?v=x8kGJ3MYCMk), que termina em azul, serpentinas coloridas e o nome dos “professores responsáveis”.
Tudo vale a pena quando o único objetivo da vida for… quebrar a monotonia.
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