Há alguns dias, enviei aos amigos uma “reportagem” (*) que, fosse eu uma “celebridade”, mereceria, no máximo, ter inspirado um filme a Buñuel ou ser exibida, emoldurada, ao lado de um quadro de Dali… e incluir-se em uma enciclopédia non sense. Ela divulgava a “notícia” da repercussão, na classe média argentina, da eleição do Papa Francisco.
Exceto as fotos e as declarações em castelhano, que transcrevi entre aspas, descontextualizadas, mas exatamente conforme a Imprensa as divulgou em diferentes datas, todo o resto ali era potoca. Uma absoluta e… requintada… potoca.
Pouca gente percebeu minha intenção.
Como já disse aqui, a Fé é um fenômeno inalienável em qualquer análise social que pretenda ser minimamente séria (a fé do analista, inclusive; em sua análise, inclusive…). Ela me interessa profissionalmente, porque a Política e suas motivações me interessam. Com um humor desde sempre muito suspeito, porém, minha intenção ao enviar aquela “notícia” era, evidentemente, fazer pilhéria – e ela até pôde divertir alguns; era também, no entanto, destacar como podemos ser desrespeitados pela Imprensa com notícias fabricadas nas redações, bombardeados com mentiras e idiotices, muitas vezes sendo iludidos por “informações” que não contêm a mais mínima importância pública ou a mais mínima verdade factual nem obedecem a qualquer lógica – mas que julgamos serem procedentes e muito importantes porque partimos do “princípio” de que a Imprensa é responsável, é proba e a ela apenas interessa nos manter bem informados.
Isso não é real. Definitivamente não é real, não existe, é no máximo… “surrealismo”. Mas não deixa de ser, também, manipulação. E, caso não duvidemos, sempre, do inteiro teor das “noticias” a que temos acesso, qualquer que seja a sua alegada fonte, se não buscarmos conferir, de todas as formas, a veracidade da “informação” recebida, ela nos servirá de referência e o resultado disso nos poderá ser muito cruel. Recorrendo, porém, a um mínimo de discernimento, em quase todos os dias poderemos verificar como os fatos noticiados, quando e se fatos são de fato, podem ser distorcidos em um discurso desavergonhadamente mentiroso que, desavergonhadamente, poderá ser desmentido logo em seguida, no mesmo discurso, ou por fotos que o estejam ilustrando – bastará um simples olhar atento a elas –, ou por fatos outros, que puderam ser omitidos ou camuflados nesse discurso, ou por outros discursos subseqüentes, por vezes publicados no mesmo espaço do primeiro.
Querem um exemplo? Atentem às notícias, às fotos e às legendas que as acompanham, leiam a homilia proferida por Francisco, o novo Papa, nesse 19 de Março, ontem, dia de São José, e atentem aos comentários feitos a respeito dela.
É impressionante. É estúpido. É doentio. É verdadeiramente algo de arrepiar os cabelos, de horrorizar qualquer criatura bem intencionada ver que os meios de comunicação de massa, formais e informais, ao fazer a cobertura da proclamação de um Chefe de Estado, que, ademais, é Chefe da Igreja com maior número de adeptos no mundo, tanto se preocupem com comentar seus trajes, se e como são ou não são bordados em quais e quantas cores e desenhos, se seus sapatos são pretos ou vermelhos, se sua cruz é de ouro ou de prata, se tomou banho e trocou de roupa ou não antes de apresentar-se ao público, como se estivessem cobrindo o desfile de uma socialite em um coquetel de lançamento de uma coleção de estação de uma griffe famosa ou o dos destaques de uma Escola de Samba. E que, desses “fatos” observados, imediatamente ilações “verdadeiras” possam ser sacadas.
Com esse tipo de “reportagem-testemunha da história”, os poucos encarregados da informação e comunicação de massa descrevem o novo Papa como mais uma “celebridade” tal como descreveriam qualquer uma das “celebridades” proclamadas conforme valores e referências deles mesmos. Pior: transformam em “celebridades” também seus parentes próximos e distantes, seus vizinhos recentes e remotos, colegas de escola, quem teria sido sua namorada de infância etc. etc. Não contentes com isso, pretendem ainda – quando nenhuma outra informação de fato alguém possuirá a não ser algumas opiniões controversas, alguns trajes e alguns gestos, mais protocolares ou menos protocolares conforme a situação, que lhes foram expostos – ser capazes de traçar (e de julgar!) o caráter dessa “celebridade”. E traduzem suas palavras dando-lhes o sentido que bem entendem dar.
Pelos donos da verdade absoluta, não a Jorge Mario Bergoglio, mas a Francisco será atribuído um perfil avesso ao perfil de seu antecessor, que se traçou apoiado naquelas mesmas “evidências” – desconsideradas não só as circunstâncias subjetivas como as objetivas, inclusive as de temperamento, de formação, saúde, idade etc. E, assim como uma terrorista sem qualquer qualificação para ocupar a Presidência da República pôde transformar-se, pelas artes impressas, em uma democrática “mãe dos brasileirinhos” e respeitável “estadista” (e dá até um frio no estômago saber que ela disse “Deus é brasileiro!” em entrevista ao sair do Vaticano…), Jorge Mario Bergoglio, um jesuíta antes acusado, pela esquerda mundial inteira, de ter colaborado com uma ditadura desumana (o que foi amplamente divulgado por todos os meios) pode ser transformado em um Francisco franciscano – ou seja, o vulgo é induzido a crer ter-se ele convertido, de repente, de alegre ou pela “pressão das massas”, em um passe de mágica durante ou após o Conclave que o elegeu Papa, à “causa dos pobres e oprimidos” – a que, segundo os valores aplicados por esses mesmos meios de comunicação em seus “justos” julgamentos, ele teria antes podido desprezar tal como Bento XVI os teria desprezado.
Molda-se, assim, sob os critérios tidos como insuspeitos, não só “o Papa que queremos” como seu discurso e seu guarda-roupa, antecipando-se o que dele é esperado e dele será exigido – e ai desse Papa se fugir ao modelo “ideal”…
Eu me pergunto se o mundo inteiro, pelo menos o “nosso mundo”, o que somos obrigados a conhecer, tornou-se estúpido de repente ou ficou, de repente, demente. Porque, que está estúpido e se mostra demente, isso ele está e assim se demonstra. E talvez assim estúpido esteja e demente se demonstre em virtude da cretinice e da insanidade flagrantes daqueles que teriam por função instruir a população dos fatos – mas, nem por isso, das intenções, o que uma Imprensa mal letrada e mal intencionada faz com total liberdade e absoluta irresponsabilidade.
Que sejamos nós menos dementes e menos estúpidos, que cuidemos de filtrar informações de fato relevantes entre as que nada significam, as que apenas se destinam a disseminar idéias dementes e estúpidas ou se destinam a nada mais que preencher espaço em branco nos folhetins.
E façamos votos de que, ao querer aproximar-se das massas e protegê-las, o Papa Francisco não pretenda agitá-las como um demagogo, substituindo homilias por comícios contra a ordem nacional, e, ao chamá-las a procissões em direção à fé que possa querer defender, não se comporte como um reles padre de passeata;
façamos votos também de que nenhum inocente nos possa apontar que, nu em pêlo, desfila pelas ruas do mundo alguém que poderíamos ou deveríamos respeitar;
façamos votos ainda de que o novo Papa, essa figura pública em tese respeitável, respeite a sua Igreja e possa defendê-la com coragem e determinação, às claras, como um bom soldado da Companhia de Jesus a deve defender e como, presume-se, Jorge Mario Bergoglio sempre a tenha defendido;
façamos votos, por fim, de que ninguém se descuide de sua segurança pessoal em suas exibições públicas, para que não seja, em breve, antes mesmo de que tenha a oportunidade de nos esclarecer, a todos, a que veio e a que está – o que ninguém ainda sabe ao certo –, assassinada na primeira esquina por dementes mal intencionados, permitindo que seja transformada, tal como muitas já o foram por razões inconfessadas, em mais um falso mártir de estúpidas pseudo-causas políticas ou religiosas.
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(*) 15/03/2013 – DA REPERCUSSÃO, EM TERRITÓRIO ARGENTINO, DA ELEIÇÃO DO PAPA FRANCISCO
Argentinos fazem panelaço contra governo de Cristina Kirchner
Milhares de argentinos se reuniram na noite desta quinta-feira na Praça de Maio, em frente à sede do governo, batendo panelas para protestar contra o rebaixamento do Bispo de Buenos Aires.
de nosso correspondente especial em Buenos Aires
Os manifestantes, revoltados, não levaram à praça cartazes ou símbolos de Partidos políticos. Muitos agitavam bandeiras do país.
Todos, porém, sem exceção, queixavam-se das restrições que vêm sendo impostas ao justo orgulho nacional argentino, da falta de segurança para exercer seus poderes divinos e do desrespeito dos Cardeais, no último Conclave do Vaticano, que rebaixaram à condição de Papa ninguém menos que o Bispo de Buenos Aires.
Ao cair da noite, a manifestação ocupava toda a praça, já mundialmente famosa por ter-se transformado em espaço cultural aberto a festivais de música popular e exposições de arte urbana.
Os manifestantes foram convocados através de redes sociais logo após ter sido publicada uma carta de La Kirchner àquele que agora é chamado de Papa Francisco, comemorando sua eleição.
As palavras da governante – “En mi nombre, en el del Gobierno argentino y en representación del pueblo de nuestro país, quiero saludarlo y expresarle mis felicitaciones con ocasión de haber resultado elegido como nuevo Romano Pontífice de la Iglesia Universal” – foram interpretadas como expressão perfeita e acabada de uma inadmissível atitude de submissão às pretensões imperialistas vaticanas.
O jornal El Clarín, em sua edição on line, destacou ainda o deslize do Governo ao desconsiderar a hierarquia da Igreja Universal e os 130 mil adeptos da Teologia da Prosperidade, que lotaram o Estádio de Futebol Racing Club de Avellaneda em 2010, sob chuva e temperatura abaixo dos 5°C, em dia de cura, libertação, prosperidade, salvação das famílias e mudança de vida.
Outros panelaços menores aconteceram nessa quinta-feira em bairros de classe média, informou a TV local.
‘Estamos cansados da forma como o governo e o mundo nos vêm tratando’, disse um jovem de 21 anos antes de acrescentar, com a voz embargada pela emoção: “Assim como o resultado do referendo nas Malvinas, o resultado da eleição nesse Conclave não tem valor legal! E não o aceitamos como legítimo!”
Membros do Partido Justicialista, em desacordo com a manifestação da Praça de Maio, fizeram passeata nas alamedas do cemitério da Recoleta levando faixas nas quais, em grandes letras azuis, viam-se palavras de ordem tais como “!Cristina para adelante, Néstor para atrás!”, “Vamos ganando” e “Requiescant in pace”.
Um deputado da FpV (Frente para la Victoria) presente no local chamou o repórter para registrar sua opinião: “Es cierto que hay algunos compañeros de organizaciones de derechos humanos que están molestos porque hay una cuestión vinculada a su [do Papa Francisco] participación en la dictadura … una actitud, un compromiso y una conducta durante la dictadura que dista mucho de lo que se lo acusa. … Siempre coincidimos mucho más con él de lo que disentimos”.
colaborou VaniaLCintra
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